MEDICAMENTOS ESTRANHOS
Eu era um homem normal e o meu corpo era igual a qualquer outro corpo humano. Eu tinha dois braços que terminavam em duas mãos. Um rosto normal com os olhos, as orelhas, o nariz e a boca. Casei cedo e com uma linda e saudável menina, a minha Julinha. Sou Severino e vivemos em Boston, uma enorme cidade Americana.
Adoeci e fui para o hospital, fiz vários exames e nada de positivo foi detetado… Mas estava doente. Para mal dos meus pecados, a Julinha também adoeceu. O mesmo problema. Nós doentes e os exames todos negativos.
O nosso médico assistente perplexo aconselhou-nos para os dois, irmos a consulta à um especialista.
- É um cientista comprovado e pode saber o que acontece convosco.
Não tínhamos nada a perder. A minha Julinha passava a vida a coçar sem parar e eu… Os meus braços doíam e sentia tanto formigueiro, que passava a vida e limpar para ver se as formigas deixavam os meus braços em paz. Para o fim de tal tormento, ir à um cientista era o de menos que nos podia acontecer.
O cientista, de nome Jaydan Jonathan Drink parecia mais ser um doido que um cientista. Despenteado e com cabelos em espinhas, cara oval e barbudo, com umas calças de gangas que pareciam terem sido lavados há mais de dois séculos e uma bata que muito provavelmente era branca na década passada recebeu-nos a rir. Seus dentes pareciam que nunca foram de outra cor senão amarelos. Mandou-nos sentar, perguntou os nossos nomes, primeiros e últimos e a nossa data de nascimento. São de praxe estas perguntas nos centros de saúde americanos. Estávamos fartos de nos identificarmos e dizermos a data do nosso nascimento, as vezes dez vezes no mesmo dia. Identificamos. Ele sentou-se no seu computador, única coisa que parecia novo e actualizado dentro do caos que era aquele gabinete.
Trinta minutos de silêncio e para ele depois dizer-nos:
- Estão ambos doentes de uma rara enfermidade. Não existe medicamento convencional para o vosso caso. Pois nem nome existe para a vossa doença. Estranho é ter o mesmo casal duas doenças diferentes e extremamente raras.
Perguntei-lhe qual era o nosso destino. Ele pensou uns cinco minutos, que me pareceram horas e perguntou-nos se estávamos dispostos a servirmos de cobaias e usarmos duas invenções dele…
- Ninguém ainda teve a coragem suficiente para as usar. Tenho dezenas de medicamentos para casos raros. Cada um para um caso específico.
Estávamos desesperados e não tínhamos outra alternativa. Aceitamos, claro está que tivemos de assinar uns documentos que afirmavam ser da nossa vontade sermos medicados. A Julinha o seu documento e eu o meu.
Que alívio, assim que terminei de ingerir o medicamento todo o sofrimento desapareceu. A minha Julinha também. Eu até pedi ao meu amigo para me deixar conduzir, pois já sentia saudades de um acto tão simples como conduzir o meu carro. O cientista nada nos cobrou.
Chegamos e felizes da vida, até colocamos uma música romântica de nome morna e começamos a dançar.
Aconteceu o inesperado, primeiro a Julinha, teve um ataque de calor que não resistiu e se despiu completamente.
Eu, embora estarmos apenas os dois em casa, senti a necessidade de a tapar com os meus braços. Coisas inexplicáveis de pudor humano. E consegui, pois de repente os meus braços se transformaram em duas enormes asas. O meu rosto tornou-se literalmente branco.
É o que sou hoje, um homem ou um animal. Entretanto adquiri uma força e posso proteger a Julinha sem grande sacrifício. Ela nunca mais pode se vestir. Comprei um chapéu especial com dois orifícios por onde salientam os dois chifres que nasceram-me junto das orelhas e um pouco por cima.
O cientista, por remorso, depositou uma boa quantia na nossa conta bancaria. Eu, nunca suportei injustiças, me transformei num herói do bem! A Julinha teve que ficar em casa, sempre pronta e a minha espera… A espera do meu abraço e do meu aconchego.
João Pereira Correia Furtado
http://Joaopcfurtado.blogspot.com
Praia, 25 de Fevereiro de 2015
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