quinta-feira, 15 de julho de 2010

BELA DE MARISE





BELA DE MARISE

Há meses, quando escrevi uma crónica sobre duas amigas minhas… uma delas minha conhecida, posso dizer, sem me enganar que vi a nascer… vi ela a dar os primeiros passos… a escola, o trabalho, o filho, sei tudo sobre ela. A Bela, Bela de Marise para todos os amigos…
Juntei na crónica uma outra mulher. Uma mulher do meu actual mundo, o meu mundo Virtual. Este mundo de muitas decepções, mas também de muitas alegrias. A Cristina Ubaldo, professora e escritora. As duas tinham, aliás, têm em comum a mesma doença, o cancro. Havia dito que eram duas mulheres muito forte, eram duas das muitas heroínas anónimas e estava certo… apenas não imaginava que o cancro havia de chegar tão perto de mim….
Muitas coisas mudaram em pouco tempo…. O câncer chegou mais perto de mim e o medo e a tristeza de ver amigos a sofrer e com coragem superarem o dia a dia… está muito mais perto de mim, a minha mulher, a pessoa que me acompanha desde a minha juventude, a pessoa que faz parte de mim, que jamais imaginei viver separado dela por mais de alguns poucos dias… está há mais de quatro meses longe numa luta contra o câncer. Ela também revelou-se forte e esta neste momento a ser tratar nos Estados Unidos. E eu….
Tive que aprender de novo a viver sem a companhia dela…tenho superado as saudades e as preocupações e tenho conseguindo com muita dificuldade organizar a casa, bem tenho recebido ajuda importante das minhas filhas… e não aconteceram poucas coisas nestes poucos meses de provações.
Meu pai adoeceu de repente. Tudo indicava que era uma simples gripe, a febre não passava e a temperatura do corpo era alta, tive que o levar ao hospital. Dias depois saía do hospital com a informação que havia tido uma crise de pneumonia e que para não contrair mais nenhuma “complicação” ele devia continuar o tratamento em casa. O estado dele era de melhoria continua… afirmaram… Fiquei contente, ele não queria ficar internado… mas nunca mais foi o mesmo. Deixou de se movimentar e a circulação sanguínea tornou-se deficiente. De dia ia trabalhar e as minhas filhas tomavam conta dele e a noite era a minha vez de lhe dar toda a assistência. Não teve melhorias. A temperatura só baixava a força dos medicamentos e o sofrimento dele me fazia sofrer como se fosse eu…e por fim, o principio do fim. Tive que leva-lo de novo ao hospital e de lá nunca mais sairia com vida.



A Bela regressou à Cabo Verde. As notícias não eram boas, mas era ela que mais animava todos que a iam visitar. Ela estava cheia de dores e falava no futuro, no único filho, nas festas e nos salões de beleza. Ria das anedotas forçosamente contadas e mostrava o corpo, cada vez mais fraco, como sendo o modelo da beleza. O rosto de anjo dela continuava Bela e sorridente… sempre que a ia visitar, eu regressava de rastos… sentia o sofrimento da minha amiga e via como sou pequeno e mesquinho e como ela era altruísta e nobre… foi de regresso de uma destas visitas que escrevi este poema:


BELA DE MARISE


Bela minha querida, teu sofrimento
Eu sinto dentro de mim, minha heroína
Lágrimas deito vendo-te na morfina
Ainda assim tendo alto pensamento!


De certo sabendo que tens dias contados
Esperanças tu aconselhas aos demais marcados!


Meu bem, tua memória deve ser preservada
Aqui onde quero colocar os deuses menores
Recanto este te reservo e quando morreres
Imagem tua estará neste poema lembrada,
Sei… falei contigo, ouvi-te és tão forte
E, … Deus te escolheu e te deu esta sorte!




Não pude visitar a Bela como queria, sob protesto da doença do meu sogro fugi algumas vezes desta dolorosa missão, nesta vontade de ir vê-la e “anima-la”… Era ela que mais me animava, a duas únicas vezes que coube-me o papel de tentar dá-la algum alento foram, a primeira há uma semana quando ela esteve nas Urgências inanimada… ela não conseguia dizer uma única palavra…, no dia seguinte, quando a fui ver em casa, ela já estava a sorrir e muito fraca, mas bem lúcida dizia-me:
-João, vi-te no hospital. Já falta pouco… Como esta a Nelita? Diga ela que tudo vai correr bem, para ela ter esperança em Deus. Ela vai ficar boa!
Brinquei com ela, escondi a dor que sentia, disse-a que ela era a mais bonita das três irmãs, ela disse que sim, que não tinha dúvidas sobre isto… e é verdade ela era linda.
A outra vez foi na última Quinta-Feira. Ela apenas conseguiu dizer-me:
-João, és tu? Como esta a Nelita…
E fechou os olhos, belos, jovens e serenos…
E vi na dor da mãe dela, a Marise… a mesma dor que ela a Bela estava a sofrer, nas irmãs e nas muitas amigas e amigos sempre presentes… isto foi há três dias, na sexta-feira passada não tive coragem de ir vê-la, queria guardar comigo a lembrança da Bela, a menina serena a dormir que havia visto no dia anterior… foi a mesma que encontrei ontem, serena, bela e num sono profundo… vi o corpo, toquei nas mãos e no rosto frio e sem vida… o corpo, porque a alma, esta sei que partiu… como todos os anjos a Bela esta neste momento no Céu na companhia de Deus, Virgem Mãe e dos Anjos e Santos em que sempre acreditou e colocou a esperança!

Com lágrimas nos olhos, aos quatro dias do mês de Julho do ano dois mil e dez,