AMOR ETERNO
José de Nha Bodjinha era tão tímido tão tímido que embora estivesse
louco de amor por Guidinha de Nha Serafina nunca criou coragem suficiente para
lhe dizer. O pior era que embora a
Guidinha de Nha Serafina também gostasse do José de Nha Bodjinha não podia se
declarar. Qual era a moça que podia ultrapassar a barreira social naquele tempo
e se comportar tal qual uma meretriz?
O Agosto chegava ao fim e do céu nem uma pinga, a esperança ia com o
vento leste que não deixava de soprar e ajudar a secar o resto que ainda
teimava a mostrar aos homens do campo, que as ervas são verdes e não
acastanhadas e secas. O intransponível mar cercava a ilha e só o navio era a
esperança. O desespero transformava pequenos botes em navios transatlânticos e
os que podiam pagar uma fortuna iam a Nova Inglaterra e os miseráveis o destino
era o Sul.
José de Nha Bodjinha teve a sorte de ser chamado pelo padrinho para
a Nova Inglaterra. O padrinho, este tinha certa habilidade para o mar e fora há
meia dezena de anos num dos Baleeiros americanos, muito freqüentes na época em
que a gordura do cetáceo era o combustível preferido da América e a pesca era
nos nossos mares. A doença e a morte acompanham-nos sempre e sempre que
visitavam os baleeiros, os capitães, para não perderem a faina, “recorriam à
mãos de obra locais” e pouco à pouco a primeira comunidade de cabo-verdianos
surgia em Nova Inglaterra. O umbigo deixado para trás enchia os filhos das
Ilhas de saudade e a encomenda para os entes queridos era e é constante... De vez enquanto surgia,
alias surgem surpresas milagrosas como o que aconteceu com o José de Nha
Bodjinha.
Guidinha de Nha Serafina sofria calada, já imaginava esquecer o José
de Nha Bodjinha e esperar que algum outro rapaz lhe dedicasse o seu coração. Não
seria o mesmo amor sofrido calado e sem esperança. Mas era a lei da vida e dos preconceitos
criados pela sociedade de então. A mulher não podia dar o primeiro passo. O namora
era “considerado” um pecado que só terminava com o casamento ou... o Mais comum
o ajuntar dos trapos. Mas no ajuntar dos trapos, não podia aproximar-se do Altar
e Guidinha de Nha Serafina queria continuar a ir a missa e a ter direito a se
aproximar do Altar e conviver com o Cristo...
O José de Nha Bodjinha ia no dia seguinte para a Inglaterra e o bote
esperava-o na Ribeira da Barca de onde rumaria para o desconhecido, mas que
alentava a alma com um futuro digno . Com todo o pouco que tinha arrumado e
transformado num pequeno embrulho pôs-se a pensar no que ia deixar para trás. Chegou
a conclusão que era quase nada, a mãe e o pai haviam falecido há três anos,
tinha irmãos, mas eram de outras mães e raramente viam, nada e nada, apenas um
amor amortalhado no fundo do coração... Não... Não podia ir sem ter a certeza
que a Guidinha de Nha Serafina sentia nem se fosse uma pequena amizade por ele.
Saiu e caminhou, sabia que a Guidinha de Nha Serafina devia estar a regressar
do campo, onde iria ver se conseguia algum rebento verde ou seco para alimentar
as suas crias. Esperou-se num local onde era difícil que alguém o visse.
Viu a Guidinha de Nha Serafina aproximar-se pensou é desistir, era
muito tímido, as pernas começaram a tremer e pensou que não era capaz... A Guidinha de Nha Serafina vinha e parecia
muito triste, caminhava lentamente, mostrava-se cansada e cabisbaixa. Ela não
passou, como se um imã a atraísse, sentou-se a beira da estrada numa pedra. Viu
o rosto belo dela e pareceu-lhe que dois fios de lágrimas corriam nas faces...
Encheu-se de coragem e aproximou-se e abriu seu coração. Ela também lhe jurou
amor eterno.
-Espera por mim Guidinha !
-Esperarei o tempo que for preciso. Vai e aqui estarei todos os dias
e aqui me encontrarás sentada a ti esperar, José.
O José de Nha Bodjinha partiu para o sonho e teve pesadelo. O bote
pequeno e com poucas condições não conseguiu vencer o mau tempo no alto mar e
morreu pensando na Guidinha de Nha Serafina.
A Guidinha de Nha Serafina esperou e não desesperou, todos os dias
ia cumprir a promessa. Sabia que era impossível o regresso do José de Nha
Bodjinha, pois nunca mais ninguém teve a notícia do bote e nem dos que estava
nele... Mas ela ia e esperava enquanto podia andar... Quando a velhice lhe
trouxe a morte, feliz a recebeu e a abraçou, pois cumpriu a palavra dada!
João Pereira Correia Furtado
Praia, 14 de Agosto de 2015