sexta-feira, 14 de agosto de 2015

AMOR ETERNO

AMOR ETERNO

José de Nha Bodjinha era tão tímido tão tímido que embora estivesse louco de amor por Guidinha de Nha Serafina nunca criou coragem suficiente para lhe dizer.  O pior era que embora a Guidinha de Nha Serafina também gostasse do José de Nha Bodjinha não podia se declarar. Qual era a moça que podia ultrapassar a barreira social naquele tempo e se comportar tal qual uma meretriz?
O Agosto chegava ao fim e do céu nem uma pinga, a esperança ia com o vento leste que não deixava de soprar e ajudar a secar o resto que ainda teimava a mostrar aos homens do campo, que as ervas são verdes e não acastanhadas e secas. O intransponível mar cercava a ilha e só o navio era a esperança. O desespero transformava pequenos botes em navios transatlânticos e os que podiam pagar uma fortuna iam a Nova Inglaterra e os miseráveis o destino era o Sul.
José de Nha Bodjinha teve a sorte de ser chamado pelo padrinho para a Nova Inglaterra. O padrinho, este tinha certa habilidade para o mar e fora há meia dezena de anos num dos Baleeiros americanos, muito freqüentes na época em que a gordura do cetáceo era o combustível preferido da América e a pesca era nos nossos mares. A doença e a morte acompanham-nos sempre e sempre que visitavam os baleeiros, os capitães, para não perderem a faina, “recorriam à mãos de obra locais” e pouco à pouco a primeira comunidade de cabo-verdianos surgia em Nova Inglaterra. O umbigo deixado para trás enchia os filhos das Ilhas de saudade e a encomenda para os entes queridos era  e é constante... De vez enquanto surgia, alias surgem surpresas milagrosas como o que aconteceu com o José de Nha Bodjinha.
Guidinha de Nha Serafina sofria calada, já imaginava esquecer o José de Nha Bodjinha e esperar que algum outro rapaz lhe dedicasse o seu coração. Não seria o mesmo amor sofrido calado e sem esperança. Mas era a lei da vida e dos preconceitos criados pela sociedade de então. A mulher não podia dar o primeiro passo. O namora era “considerado” um pecado que só terminava com o casamento ou... o Mais comum o ajuntar dos trapos. Mas no ajuntar dos trapos, não podia aproximar-se do Altar e Guidinha de Nha Serafina queria continuar a ir a missa e a ter direito a se aproximar do Altar e conviver com o Cristo...
O José de Nha Bodjinha ia no dia seguinte para a Inglaterra e o bote esperava-o na Ribeira da Barca de onde rumaria para o desconhecido, mas que alentava a alma com um futuro digno . Com todo o pouco que tinha arrumado e transformado num pequeno embrulho pôs-se a pensar no que ia deixar para trás. Chegou a conclusão que era quase nada, a mãe e o pai haviam falecido há três anos, tinha irmãos, mas eram de outras mães e raramente viam, nada e nada, apenas um amor amortalhado no fundo do coração... Não... Não podia ir sem ter a certeza que a Guidinha de Nha Serafina sentia nem se fosse uma pequena amizade por ele. Saiu e caminhou, sabia que a Guidinha de Nha Serafina devia estar a regressar do campo, onde iria ver se conseguia algum rebento verde ou seco para alimentar as suas crias. Esperou-se num local onde era difícil que alguém o visse.
Viu a Guidinha de Nha Serafina aproximar-se pensou é desistir, era muito tímido, as pernas começaram a tremer e pensou que não era capaz... A  Guidinha de Nha Serafina vinha e parecia muito triste, caminhava lentamente, mostrava-se cansada e cabisbaixa. Ela não passou, como se um imã a atraísse, sentou-se a beira da estrada numa pedra. Viu o rosto belo dela e pareceu-lhe que dois fios de lágrimas corriam nas faces... Encheu-se de coragem e aproximou-se e abriu seu coração. Ela também lhe jurou amor eterno.
-Espera por mim Guidinha !
-Esperarei o tempo que for preciso. Vai e aqui estarei todos os dias e aqui me encontrarás sentada a ti esperar, José.
O José de Nha Bodjinha partiu para o sonho e teve pesadelo. O bote pequeno e com poucas condições não conseguiu vencer o mau tempo no alto mar e morreu pensando na Guidinha de Nha Serafina.
A Guidinha de Nha Serafina esperou e não desesperou, todos os dias ia cumprir a promessa. Sabia que era impossível o regresso do José de Nha Bodjinha, pois nunca mais ninguém teve a notícia do bote e nem dos que estava nele... Mas ela ia e esperava enquanto podia andar... Quando a velhice lhe trouxe a morte, feliz a recebeu e a abraçou, pois cumpriu a palavra dada!


João Pereira Correia Furtado
Praia, 14 de Agosto de 2015