quarta-feira, 30 de setembro de 2015

UM VISITANTE INESPERADO

UM VISITANTE INESPERADO



Na véspera do dia marcado, eu ainda não tinha a certeza que iria sair no dia seguinte. Eu estava naquela de “eu vou” e o “eu não vou”. Levantei-me cedo e, estou a tornar-me cada vez mais metódico, e não é por causa da idade que teimosamente teima em se acrescentar, mas é porque a pessoa em quem eu comodamente deixava a missão de organizar tudo para mim, tem tido necessidade de embarcar com certa freqüência com o fim de se tratar e controlar o estado da saúde, a minha mulher.  Ela tem várias doenças e está em constante “check-up”.  Entre as doenças inclui o câncer.
Costume dizer a jeito de brincadeira, para lhe animar, que é mais fácil perguntar-lhe do que ela não sofre...
Bem voltemos à crônica, sempre fui devoto de Nossa Senhora e há certa de um ano fui convidado pela Sra. Emiliana para um presidium, ela apenas disse que precisava de mim, disse-me o local e a hora do encontro, Capela de Lém Ferreira, Sábado, às 07H30. Eu já tinha notado aqueles movimentos de pessoas sempre no mesmo dia e hora, não sabia do que se tratava, mas eu estava morto de curiosidade, e, ia ter a oportunidade de saber do que se tratava.  Não fui naquele sábado, já tinha outro compromisso, fui uma semana depois.  Vi a alegria no rosto dela e senti que a mesma já estava a pensar que perdeu o seu tempo ao convidar-me. Vi logo que era LEGIÃO DE MARIA, desde menino que eu sabia que ela existia. Pois aprendi a recitar “quem é esta que avança como aurora formosa como a lua, brilhante como o sol, terrível como o exército na hora da batalha?” entre o soneto de Bocage sobre a fábula da raposa e a uva verde e a fala dos animais de Júlio Dinis e mais alguns poemas de autores desconhecidos.
Entrei para a Legião, a minha mulher estava no exterior em... Imaginem... “Check-up”. Assim que ela chegou tive o trabalho de levá-la e hoje estamos os dois no Presidium de Nossa Senhora de Carmo de Lém Ferreira...  Devia ser de Fátima, mas a Nossa Senhora é a mesma.

Chegou a minha vez de iniciar a Oração e fazer a leitura, fiz o melhor que pude entre a ansiedade e o nervosismo...

No fim da reunião o Presidente, Irmão José da Lomba disse-me que estava a pensar em algo para mim. Hoje sei que é ficar temporariamente “presidente” enquanto ele sairia de férias e tratamento em Portugal. Não pude negar o pedido, sei que não estou preparado, mas não tive coragem de dizer não.
Já presidi algumas reuniões, claro com ajuda de todos os membros, eu o mais novo do grupo com exceção da minha mulher que também se encontra ausente. Já presenciei uma reunião de Régia e tudo me parece aliciante e belo no projeto de Frank Duff. Brevemente irei fazer a minha primeira visita à um Presidium na Achada Grande Trás, mais um passo em frente.

Já sabíamos do passeio legionário de este ano na Paróquia de S. João Batista e na localidade do mesmo nome. Mas na Régia recebemos a informação que iria ser na mesma Paróquia, mas a localidade foi transferida para Santa Ana. Uma Santa muito respeitada em S. Tomé onde a tradição dá um valor enorme aos avôs e sendo Santa Ana a Avó humana de Jesus, ela é elevada a “SANTANA GRANDE”.


Resolve na nossa reunião semanal, sábado, 04 de Julho, que devia ir ao passeio, seria este ou jamais iria como aconteceu no ano passado. Entre no grupo uma semana antes do passeio de 2014, não achei que devia participar num passeio, estando a minha mulher ausente.
Domingo, cinco de Julho de 2015, Cabo Verde em festa, 40 anos de independência e nós íamos fazer a nossa festa de 2035 anos de Maria, Nossa Senhora, mais anos menos anos.
Às 08H30 cheguei ao ponto combinado. Encontrei o carro do outro Presidium de Lém Ferreira cheio e o nosso? Estava lá, mas contei, éramos apenas quatro. Tenho no espírito um pouco de S. Tomé, senti um pouco tremido a participação do nosso grupo. A desilusão começa a aparecer... E comecei a pensar que não fui suficientemente eloqüente para convencer os membros a participar. Chega a Irmã Narcisa e pergunta pelos que faltam. Resolve ir chamar o Irmão Lucio e regressa ela e ele e a família. Irmã Lurdes e a neta de dez anos. Menos mal, pouco depois chega uma das irmãs que desculpara e afirmara não poder ir. Senti-me privilegiado com esta surpresa. Mas faltava a pessoa mais importante, a Irmã Celeste tesoureira, sem ela nada feito, é a Irmã do cofre, mas ela chega um pouco depois. Que alivio... O Irmão Luís Vicente não confirmara, apesar da insistência, compreendi, ele vinha de uma longa viagem. Ainda estava a acertar o relógio para o de Cabo Verde.


Partimos rumo ao ponto combinado pela Régia, arredores do Mercado de Sucupira. Ainda tivemos a oportunidade de apanhar uma Irmã do outro Presidium de Lém Ferreira, ela atrasou-se um pouco e regressava ao lar com desilusão no rosto. À titulo de brincadeira dê-lhe ordem para mudar imediatamente para o nosso Presidium que nós nunca esqueceríamos dela. Serviu para todos rirem descontraidamente.
Chegamos ao ponto. Vários Hiaces estavam ai e algumas pessoas que ainda não tinham como deslocarem. O nosso carro encheu rapidamente e “expulsamos” a Irmã que demos a boleia para o grupo dela, o Hiace do outro grupo estava lá.  Fizemos pequenas compras de última hora e partimos, ao todo seis Hiaces... No nosso rezamos um terço e cantamos, a Irmã Emiliana presidiu o terço. O momento de Fé era atrapalhado por curtos momentos de curiosidade, era a minha primeira ida a Santa Ana. Eu não era único, a menina de dez anos, neta dos irmãos Lúcio e Lourdes queria saber o nome de todos os aglomerados habitacionais por onde passávamos.
A estrada não era das melhores, depois de o alcatrão tomar conta das antigas calçadas de “paralelos em basáltico”, andarmos numa estrada destas passou a ser um sacrifício, mas só víamos a notar no regresso e nem tanto.   
 
Chegamos mesmo à tempo. A missa ia começar, o Senhor Padre, um Franciscano, que nos convidou, estava a ensaiar os cânticos da missa e por fim levantou-se e deu-nos boas vindas. Ele Informou-nos que de momento era único, os outros padres por contingência humana tiveram que ausentar, um é moçambicano e tinha o passaporte caducado, outros, por outras razões ausentaram.  

“Não há mal que vem sozinho” não sei que o disse pela primeira vez, mas acontece com certa freqüência, que julgo confirmada a tese. Ele tinha entalado um dedo na porta do carro... Dormiu mal e chegou tarde, depois de ter que estacionar a berma da estrada para descansar um pouco, pois corria o risco de dormir ao volante... A missa ia ter cânticos, mas sem o piano, pois sozinho não podia presidir a cerimônia e tocar o piano... Era incapaz de fazer o milagre da duplicação e houve o milagre, o presidente da Régia, Irmão Juvenal Tavares é um nato músico a tocar e a cantar... Embora não fazia ainda parte da cena, e a dançar. Os cânticos tiveram acompanhamento do piano.
Entra a visita dos visitantes. Uma visita inesperada. O senhor Manuel, ia dentro de um caixão e como manda a tradição o afilhado mais novo ia à frente de lenço branco um uma CRUZ DE CRISTO envolto num pano de mesma cor. Ele esteve na agonia cerca de três meses e morreu precisamente na véspera da nossa visita, isto vim, a saber, depois pela irmã Filoca na partilha da palavra semanal.
Teve a sua missa de corpo presente e soubemos pelo padre que comungou duas semanas antes. Merecia estar presente e ser a nossa visita.
Terminou a missa, mas o senhor Manuel continuou deitado dentro do seu caixão à espera do filho emigrante... Que fazer?   Rezar por ele, e, o passeio de alegria transformou-se num ato de misericórdia fúnebre.    O irreverente Irmão Jhonsa fez a abertura da cerimônia com terço, teve a ajuda do Irmão Domingos.
Fomos recebidos de CUZ-CUZ COM LEITE, servimos, não chegou para todos, mas todos se sentiram saciados e agradecidos.
Cada presidium tinha seu plano de almoço, o nosso não tinha e improvisamos e juntamos com alguns na mesma situação e com os nossos anfitriões. Foi lindo.  Depois do almoço tiramos algumas fotografias. Perguntei ao Irmão Juvenal o que era a próxima atividade. A resposta foi:
-Com a presença do senhor Manuel o ambiente não é propicio...


-Se o senhor Manuel escolheu visitar-nos é porque assim quis a nossa senhora – o Irmão Domingos disse e levantou-se. Fomos rezar de novo e o Irmão Juvenal fez uma reflexão da vida e da morte que o momento exigia.
Fiquei sem saber se o esperado filho do Senhor Manuel chegou ou não.  Pois o cortejo fúnebre seguiu para sua última morada. Segundo soube, muito distante da localidade de Santa Ana.
Esperamos o tempo necessário de respeito que o senhor Manuel e a família merecia afastassem à caminho do destino final do nosso corpo e voltamos para a Nossa Mãe na Casa feita em honra da Mãe da Nossa Mãe, desculpem o pleonasmo...
Que linda festa. Lembrei-me da minha juventude na Igreja em S. Tomé e Príncipe.  Os cânticos podem se transformar é louvor e alegria e em vários estilos de musicas, desde o nosso Funana até ao ritmo popular português.  Cada um com o seu talento que fez render o máximo. Se fosse um concurso tradicional da cultura, não sei quem ficaria em primeiro lugar.... O Irreverente Jhonsa ou o animador Domingos ou o completo Juvenal ou um jovem que vi pela primeira vez ou uma das irmãs de 70 e tais anos. Não era preocupante, tinha a minha medalha, o pior de todos a dançar e a cantar. Mas não guardei meu péssimo talento, com medo das gargalhadas que provadamente provoquei...
Tivemos a preciosa ajuda de Irmã Missionária para nos animar. O tempo voou e chegou a...



Hora de regresso e onde está o fundador da Legião em Santa Ana, com ajuda do muitíssimo conhecido Padre Campos? O Senhor Nicolau.  As “nossas anfitriãs nos informaram que naquele dia ele não pode descer...” Se ele não vem a nós, vamos nós a ele.
Depois das últimas fotografias da Família da Legião, fomos conhecer o ancião de oitenta anos e o Irmão Juvenal fez de jornalista e eu? Porque não o “câmara-man” improvisando?  Até um telemóvel se transformou num microfone.
Restam apenas o abraço, a vontade de regressar de novo, não faltou o convite, e o regresso à casa... Cheios de saudade. 



João Pereira Correia Furtado
Praia, 06 de Julho de 2015

http://joaopcfurtado.blogspot.com