sexta-feira, 3 de junho de 2011

ENTREVISTA A NHU LOBO

Querida Amiga Arlete




No outro dia à teu pedido andei por ai a procura de pessoas importantes para fazer uma entrevista. Sabes, agora sem curso nem experiência, não se consegue uma viva alma que queira perdeu seu precioso tempo conosco... Eu até já estava a desistir e a regressar a casa, minha amiga, quando encontrei num canto, abandonado o Nhu Lobo.
Coitado, ele estava sozinho e triste. No canto jogado, todo rasgado, velho e sujo. Parecia um pedinte... Se não o tivesse conhecido desde criança, nunca imaginaria que era ele.
Sabes... Nhu Lobo deliciava a minha infância e como continuei a viver... Isto é um segredo, amiga, não digas a ninguém... Eu não cresci, os anos passaram por mim, estou com quase 60 anos e continuo com oito. Gosto das mesmas coisas e sinto as mesmas frustrações... Não foi difícil, embora ele estivesse tão diferente, reconhecer o tão conhecido Nhu Lobo, o Ti Lobo...
Aproximei-me muito divagar até junto do desgraçado e com muito respeito o pedi que me abençoasse. Tu não sabes, mas vou dizer-te, a minha Ilha é talvez a única que tem tradições muito rígidas, por exemplo, as de tomar benção aos mais velhos, uma espécie de vaticínio que eu, que continuo no meu mundo dos anos antigos não dispenso... Gosto e os mais velhos ficam felizes, então porque não matar dois coelhos de uma só vez?

O Ti Lobo me cumprimentou, fez como nos tempos antigos, ele não tem cura mesmo, foi no crioulo. A amiga não entenderia, por isso vou traduzir, irá perder uma boa parte da riqueza, mas que posso eu fazer, amiga?

- Que Deus não te falte um pouco de farelo! Que te deixe com a boca cheia, nem que seja de peixe podre. Lembra-te sempre mais vale uma língua totalmente inchada que uma boca vazia!

Não é que me surgiu uma idéia naquele momento? Rapaz e se tu fizeres a entrevista ao Nhu Lobo? Pensei e logo quis por em prática... Em “off”, como agora se usa muito neste mundo de tecnologia, perguntei ao Nhu Lobo se quisesse ser entrevistado. Ele negou, esperneou, mas por fim aceitou. Envio-te para veres se dá para pores no nosso Jornal...

EU – Ti Lobo, o senhor já tem certa idade...

NHU LOBO – Certa idade.... Bem não posso imaginar quantos anos tenho. Ao certo não sei quando. Estou no imaginário do meu Povo, nasci com a imaginação do meu Povo cabo-verdiano e tinha a idéia que eu iria continuar vivo enquanto o meu Povo vivesse.

EU – O Ti Lobo disse “iria continuar vivo enquanto o meu Povo vivesse” o que quer dizer com isto?

NHU LOBO – É que agora não estou certo disto. Gosto do meu farelo, meu peixe podre, restos de comida. Algumas vezes não dispenso um bom ovo da Tia Ganga... Mas o que me alimenta é o imaginário do meu Povo e vejo o meu Povo com cada vez menos tempo para mim... Mas o problema é outro!

EU – O Ti Lobo está muito pessimista...

NHU LOBO – E tenho razões para estar. Veja só... No teu tempo de menino existia algum menino Cabo-verdiano que não me conhecesse?

EU – Sinceramente... Acho que não, não juraria... Mas era quase impossível... O Nhu Lobo a par do Chibinho e a da Tia Ganga eram os nossos heróis!

NHU LOBO – Tu chegas-te ao centro do problema... Agora os heróis são outros...

EU – Quem são eles?

NHU LOBO (Deu uma gargalhada triste) – Não sabes?

Eu sabia, pelo menos imaginei em quem o Nhu Lobo falava, mas não disse. Cabia a ele responder... Não fui pescar para ser pescado!

EU – Ti Lobo, aqui que faz as perguntas sou eu e quem as responde é o Ti Lobo, estamos entendido? Que são os novos heróis?

NHU LOBO – São muitos, desde Tio Patinhas até o Capitão America. Sabes... Nós somos um povo que gosta de estrangeiros, eles chegaram e estão a tomar o nosso lugar!

EU – Ti Lobo o problema não seria outro? No meu tempo já existia o Aladino, o João do Feijão e o Gigante, mas o Ti Lobo continuava vivo, alegre e sempre a ser ultrapassado pela sabedoria do Chibinho e força feminina da Tia Ganga. E os três até menosprezavam os “estrangeiros”. Eles eram sérios e os meninos queriam rir... Não seria porque Ti Lobo tornou-se sério de mais...

NHU LOBO – Achas divertido o “SANKUKU” e outros SAMURAIS, sempre belicosos e em permanente guerrilhas na terra e arredores... Achas divertidas as guerras?

EU – Bom... Bom... Ti Lobo, eu pergunto e...

NHU LOBO - ... Eu respondo... ah ah ah ah ah , está bem, mas responde apenas esta, achas divertido?

EU – Não acho... pronto... Tem razão. Até porque naquele tempo achávamos que devíamos seguir sempre o Chibinho e que se fossemos como o Ti Lobo... Procurando vida fácil, iríamos perder no fim...

NHU LOBO – Também é verdade que tens razão... Ainda ontem, eu, a Tia Ganga, coitada é a mais velha, embora tivesse sempre um corpinho que sempre... Bem me faz esquecer a fome pela comida. E o Chibinho. Nós os três falávamos sobre a nossa mais que provável morte.
Sabes em que conclusão nós chegamos?
Que o nosso maior inimigo foi a energia eléctrica chegar até nós antes de estarmos preparados para entramos neste mundo. Olha o Aladino. Ele é, talvez, da nossa idade ou muito mais velho que nós. Com uma ajuda dos Americanos ele entrou na modernidade e vive na paz e sem sobressaltos. É certo que o Génio das Lâmpadas nem sempre o dá grandes ajudas, mas vão vivendo na medida do possível. Até a Raposa Portuguesa, creio eu, está nas modernices e lá vai vivendo, se não fosse o “GAME BOY” até podiam estar mais vitalizados…

EU – E, então… tem alguma ideia que possa fazer-vos, digamos, ressuscitar?

NHU LOBO – Ideia, ideia tenho… o problema é por em prática. Sabe nós estamos atrasados e não vemos quem de direito fazer nada…
EU – O Ti Lobo está um pouco político, o político é que está sempre a falar “quem de direito”, não acha?


NHU LOBO – Eu acho que não tenho como entrar no mundo moderno se Cabo Verde não apostar mais na minha vida nas escolas. Se eu continuar apenas na primaria… Quando aparecerão desenhadores para me desenhar em quadradinhos e proliferar as livrarias? Se não existir concurso de contos infantis tradicionais, como terei nova vida? Olha eu ainda não comprei um televisão e nem tenho um computador… O Mundo avança e eu vejo o burro do Chibinho passar…

EU – Esta a chamar Chibinho de burro?

NHU LOBO – Não, estou apenas a dizer a verdade, olha…


EU – Ti Lobo, desculpa cortar-te… mas estou a ver que tem muito para dizer e já estou cansado. Sai para fazer uma das modernices da velhice, caminhar contra Colesterol. Teremos oportunidade para nos falarmos mais sobre este e muitos outros assuntos. Ainda falaremos do tua vida passada, já que o presente teu, me parece moribunda e o futuro incerto…

NHU LOBO – Estarei cá sempre, podes vir quando quiseres, mas te digo que só sobreviverei sem entrar na televisão e na escola…

EU – Está bem, está bem. Na verdade me pareces um bom político… ah ah ah ah, voltarei. Os meus agradecimentos pela entrevista, em meu nome pessoal e em nome do Jornal ou jornais (estás a ver? Estou como tu, muito presunçoso) que irão publicarem a nossa entrevista. Até a próxima, muito obrigado, mais uma vez, Ti Lobo!

NHU LOBO – Que tal me agradeceres com UM DEZ?

EU – Ti Lobo, tu não mudas mesmo, és sempre assim, um incorrigível. Por estas e outras é que voltarei.

Amiga Arlete, foi assim que terminei a minha entrevista ao NHU LOBO. Com a promessa que voltarei. Não sei se um dia voltarei ou não… Talvez algum jornalista de verdade peque na deixa e faça uma verdadeira entrevista aos responsáveis sobre as nossas míticas figuras… temos mais, o Chibinho, a Tia Ganga, o Bulimundo, o Corvo e muitos outros… talvez eu faça mais uma ou outra entrevista de brincadeira como esta… Talvez, quem sabe o futuro?

Continuei a minha caminhada despreocupado. Afinal quem já viveu quinhentos anos ou quase pode passar a vida vegetativa, mas reanimara de certeza um dia, a morte propriamente dita o Lobo jamais terá. Espero que o Povo Cabo-verdiano nunca permita que tal aconteça.

Não sabes, mas te digo. UM DEZ é um cálice de grogue de pior qualidade. Se quiseres provar UM DEZ tens que pagar dez escudos Cabo-verdeano. Entretanto eu te aconselho um ponche, afinal é mais feminino e menos prejudicial para a saúde!

João Furtado
Praia, 18 de Setembro de 2010