segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
O AMOR NÃO TEM ROSTO...TEM PERIGO !
O amor não tem rosto. Não sei quem inventou esta pequena e tão verdadeira frase. Sou solteiro, tenho pouco mais de vinte anos e nunca tinha viajado antes para além das fronteiras naturais da minha pequena ilha. Na verdade é a maior das dez que formam esta terra.
Nunca tivemos uma vida digna por cá, a chuva escassa e a vida de agricultor de “sequeiro” é a nossa sentença de vida na pobreza constante. Quando a falta de chuva se repetia por dois ou mais anos, a calamidade era maior. Aquele era um daqueles maus ou péssimos anos.
De repente começou a correr um boato. Os americanos estavam a caçar baleias perto das nossas ilhas e com certa regularidade davam uma aproximação à Ilha da Brava. Quando isto acontecia, eles davam alguns conterrâneos nossos o emprego. Quase sempre esqueciam de devolve-los à origem e já era notícia que começava a existir uma comunidade de caçadores de baleias crioulos em Nova Inglaterra.
Vendi tudo que me restava, uma vaca e alguns porcos, morreriam de certeza de fome. A única cabra que tínhamos, deixei com a minha mãe. Embarquei num daqueles veleiros muito em uso na altura e fui para a Ilha da Brava.
Na hora do adeus a minha mãe entre lágrimas e choros próprios da antecipada saudade deu-me um rosário todo ele feito de osso. Não sei de que animal. E um frasco minúsculo quase cheio de um liquido escuro. A curiosidade obrigou-me a abrir, cheirava muito mal, parecia ser uma mistura de alho, enxofre, vinagre e carvão mineral miúdo.
A minha mãe afirmou-me que o rosário e “scontra” era para eu usar no caso de extrema necessidade, pois era remédio contra bruxas, feiticeiras, almas penadas e todos os habitantes de outro mundo. Eu devia andar sempre com eles, ela fez-me jurar que cumpriria. Jurei e parti… Partido como todos os que vão ao encontro do desconhecido…
Tinha a ideia de conseguir um baleeiro em poucos dias. Desembarquei e fui bem acolhido pelos bravenses. Nós somos um povo hospitaleiro. Uma família tomou-me e disse que ficava comigo até que o baleeiro viesse. Era uma quarta-feira. A família tinha um rapaz com ou quase a minha idade. Ele gostava de tocar viola e eu… Modéstia a parte, era um bom tocador, não só de viola, como de gaita e de ferro. Na sexta-feira ele pediu-me para irmos tocar. Saímos e fomos tocar.
Mal chegamos e começamos a tocar, entrou uma lindíssima, bela e jovem rapariga. Rosto oval, tez clara e corpo ondulado próprio das nossas crioulas. Nunca tinha visto nenhuma mulher tão linda como aquela.
Pedi ao Frank, era este o nome do meu amigo, para aguentar sozinho que eu ia dar uma volta. Parece que ele percebeu a minha intenção e tentou-me impedir… Como se era possível tal. Disse-lhe que ia arejar a cabeça.
Fui para a rua, a linda moça saiu pouco depois e aproximou-se de mim… E eu afastei mais um pouco à procura de maior privacidade… O insólito aconteceu. A beleza dela foi-se transformando nunca coisa nunca dantes visto. Os seus dentes caninos cresciam e ela mais parecia filha do Belzebu. Os Olhos largavam chamas e a tez quase branca se contrastava com a capa negra que lhe cobria os ombros. Capa que mais pareciam asas ou seriam asas que pareciam capa negra?
Desesperei, tentei fugir… Mas para onde? No auge do desespero veio-me à memória a minha mãe, então o laço mais perto que tinha. O meu pai faleceu pouco antes do meu nascimento. Na altura a viúva era eterna e por isso sou filho único. Como iria ela resistir a minha morte?
Eureka… Recordei-me do rosário e da “scontra”. Rapidamente meti as mãos no bolso e tirando o rosário passei-o pelo pescoço. Esperando que me proteja. Depois peguei a garrafa, abri-a e atirei o conteúdo sobre a monstra, eis mulher mais linda do mundo.
Não consigo descrever o que aconteceu depois. Foi mirabolante, medonho e impensável. Parecia que de repente me encontrava no inferno e em contrapartida salvo, pois a mulher abriu as asas e num impensável estrondo e barrulho de correntes gritos e lamentos voou para o infinito…
Não foi só o Frank, amigo e vizinho desde que resolvemos comprar as nossas casas aqui na Court Street, New Bedford, Nova Inglaterra, USA. Foram todos os da Ilha da Brava que espantaram por eu me continuar vivo. Melhor transformaram-me num herói… Nunca mais a bela mulher fez-se aparecer… E eu? Tenho 40 filhos, de seis mulheres, todas de Brava… 35 formaram família cá, vão para a Terra uma vez ou outra.
Cinco estão na Ilha da Brava. Comprei uma casa enorme e vivem lá. Eu e os que cá vivem mandamos bidões de comidas não perecíveis e vestuários com certa frequência… Não passam necessidades, até acho que vivem lá melhor que nós cá na emigração!
João
Praia, 12 de Dezembro de 2014
Ps - Scontra – Mistela de vários ingredientes com poderes contra o sobrenatural maligno!
João P. C. Furtado
Praia, 12 de Dezembro de 2014
http://joaopcfurtado.blogspot.com
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